TEXTOS DE CÉSAR PRÍNCIPE, Escritor /Jornalista
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Edição 132 Novº 2017
Carta
de Marx a Stuart
SOBRE A
NATUREZA DO ESTADO
Marx e John Stuart Mill. JSM, [1]
delineaste um compromisso histórico entre a liberdade individual, as
demandas públicas e de género e o despotismo-martelo caldeu. A
validação do desenho de bom governo ficou dependente das
expectativas e práticas da classe dominante e carece de aval de
assalariados e desempregados e da massa informe de desclassificados,
bem como de pequenos burgueses aliciáveis com apanha-migalhas-cabo
de prata. Nesta complexa teia e tensa correlação-competição, a
burguesia não pode dilatar e disfarçar infinita e indefinidamente
os seus interesses e os seus procedimentos e as suas alianças
(nacionais, regionais, intercontinentais). Seja pela ditadura de
classe, seja pela democracia de classe. O Estado burguês, não
obstante o recurso à concentração da violência e ao manejo da
psicologia social, é intrinsecamente precário como a eterna nobreza
que a fraterna burguesia apeou, guilhotinou, desapossou ou desposou
em segundas e terceiras núpcias. Elizabeth II simboliza a
consanguinidade e a conjugalidade da nobiliarquia-burguesia com
pretensões perenes: cinge a coroa desde 1953. E almeja manter (pelo
menos até 2020) as AFD. [2] Como Chefe da Igreja Anglicana terá
concertado a data com o Criador do Céu e da Terra e dos Windsor.
Deus é uma excepção e abre excepções. O reinado médio da rainha
das abelhas é de 2-3 anos. E o himenóptero justifica o trono com
folhas de serviços e mapas de produção: exerce o governo da
colmeia e põe 2.000 ovos por dia. Quantos contrapõe a Apídea da
Commonwealth? JSM, gostaria que abordasses estas pertinências ou
impertinências com a ponderada Harriet. [3] Em século e meio
(provavelmente) já fizeram o balanço da abolição da escravatura
(processo inacabado), da crise dos anos trinta (recidivante), das
duas guerras mundiais rem grossos volumes e da terceira em
fascículos, das campanhas de alfabetização e qualificação do
tecnocapitalismo, das mundializações fabris, tecnológicas e
informatacionais, da descolonização e do neocolonialismo, da
dissolução do campo socializador europeu e do predomínio do
capital financeiro sobre a iniciativa industrial, mercantil, agrária
e piscatória e – questão fulcral da manutenção do Poder a
qualquer custo – da prevalência da manu militari e da justiça
unilateral-extraterritorial sobre a perseverança negociadora e a
equanimidade das nações. Além deste intróito, aproveito para vos
expor a tese sobre a OEBFD. [4] Espero que tenham empreendido a
transição do liberalismo utilitarista-oitocentista para o
socialismo de quinta geração-século XXI. Bastará reparar na
retórica fraudulenta e no rasto sanguinário e rapinário do
neoliberalismo (séc. XX-XXI) para se constatar onde desaguaram os
virtuosos ou desvirtuados arquétipos do liberalismo (séc. XIX).
Haja autocrítica, temeridade, militância e constância: a
civilização, mesmo com atraso e muitas vítimas e muitas vacilações
e muitas deserções e muitas decepções, vai desbravando caminho. O
capitalismo arranja mil problemas por cada cem que resolve. Nos 150
anos da edição do primeiro volume de Das Kapital, [5] decidi
reabrir um debate: Marx – de profundis. [6] Saudações do
proletariado e do proletarianet. (Correspondência Highgate -
Avignon). [7]
A Organização do Estado Burguês de
Fachada Democrática está expressivamente plasmada no modelo
anglo-saxónico: dois partidos em união de facto e casas separadas
emulam-se e alternam-se. Nas quebras de sufrágio, o par poderá
interpactar-se segundo o fraternal incesto ou recorrer a
próteses-suportes de ocasião. A regra, porém, é a dança de
cadeiras a duo. A editora CPR [8] encarrega-se do LUB. [9] Os
co-autores e co-editores também partilham passarelas e
paramentários. Um pronto-a-vestir à saison: ganga coçada ou rota e
camisa desabotoada nos protestos sociais, sindicais e estudantis e
fraque engomado e botas cardadas nas cerimónias de posse e na
repressão dos protestantes. Sempre que termine o turno de governance
, o primeiro partido da Situação assume as vestes e as poses de
maior partido da Oposição. Modula o solfejo. Reaviva a paleta.
Recupera ou renova slogans. É sobremaneira tocante a faceta
humanista: o escritório opositor passa a preocupar-se com o produto
das suas fábricas: milhões de enjeitados, injustiçados,
ludibriados. As sessões de choro visam adular as vítimas e acomodar
o descontentamento em tendas de promessas e albergues de mendicidade.
Embora nenhuma destas Companhias de Teatro Partidário seja da
Oposição Real, os comparsas ocupam e desocupam a boca de cena e os
bastidores, oferecendo a cenoura e brandindo o chicote, usurpando
gramáticas, administrando o Espaço Cívico, dificultando as
migrações através da desqualificação das forças alternativas e
de um continuum de barreiras à recepção do seu discurso. O
duopólio dispõe de financiadores-investidores, assessorias
inteligentes e orquestração mediática. O refrão mais repetido é
o da equivalência duopartidocracia-democracia. Os disc-jockeys
tamborilam e cantarolam: É a democracia a funcionar. Obviamente: é
a concepção mais barata de governo do povo. A democracia de largo
espectro pressupõe quatro imperativos: política soberana e de
maioria social, economia estratégica pública, serviços de saúde e
educação universais, acesso generalizado às valências culturais e
lúdicas. A burguesia, quando não consegue estabelecer um regime de
portas blindadas, abre a portaria da alternância. E um dos
desmentidos do bipartidarismo/multipartidarismo como condição
democrática (fundacional e irrenunciável) é o derrubamento de
presidentes e governos eleitos sempre que as forças mais sistémicas
perdem o volante do voto. Exemplos: Portugal (1926), Espanha (1936),
Irão (1953), Paquistão (1953), Guatemala (1954), República
Democrática do Congo (1960), Turquia (1960/1971/1980/1997), Birmânia
(1962), Dominicana (1963), Brasil (1964/2016), Indonésia (1965),
Grécia (1967), Chile (1973), Argentina (1976), Haiti (1991/2004),
Argélia (1992), Venezuela (2002), Honduras (2009), Paraguai (2012),
Egipto (2013), Tailândia (2014), Ucrânia (2014). Estes golpes têm
um padrão: são preferentemente executados pelas oligarquias
autóctones e legalizados pelos tutores internacionais. O
telemaquinador, supervisor e certificador mais experimentado é o
Polícia do Mundo. Todo o mundo sabe quem é. Pela amostragem, o
apego da burguesia à liberdade e às suas estátuas traduz-se em
boas notícias para as empresas de lágrimas de crocodilo: milhões
de mortos, milhões de refugiados e exilados, dezenas de milhares de
presos, torturados e desaparecidos.
Matéria recomendável para o novo ano
escolar: o que medularmente distingue um modelo capitalista real de
um modelo socialista real não é o quadro monopartidário ou
bipartidário ou multipartidário (mas) o directório constitucional
de classe. Na ex-República Democrática Alemã (1949-1989), a
representação camaral, além de incluir elementos das organizações
de massas e das elites, congregava parlamentares de quatro partidos:
Partido Socialista Unificado da Alemanha, Partido Liberal Democrático
da Alemanha, Partido Nacional Democrático da Alemanha, Partido
Democrático Camponês da Alemanha. Na Polónia, também vigorou um
Estado Socialista (1945-1989) e coexistiram três partidos: Partido
Operário Unificado Polaco, Partido Democrático, Partido Camponês.
Em Cuba, o actual chefe de Estado, interpelado, numa entrevista
televisiva, quanto ao monopartidarismo vigente (escrutinado por
métodos circunscricionais e basistas), retorquiu: Ficariam
satisfeitos se optássemos por uma democracia à americana, o Partido
de Fidel e o Partido de Raúl? [10] A OEBFD finge que exorciza e
neutraliza a luta de classes por meio de agentes duplos e trucagens e
convoca-nos para que escutemos os seus carros de som, agitemos as
suas bandeiras e soltemos os seus balões. E assim (sem violência
aparatosa e categórica) conquistam tempo e espaço para os seus
relógios e mapas de poder. E o que nos mostram as LMH? [11]
Auditadas as contas do planeta, apuraremos um saldo positivo do
centenário de Outubro (1917-2017). Incentivador e insuficiente. À
espera de autocrítica sem tabus e de valor funcional acrescentado,
na medida em que demonstrou desvios práticos e défices de
guarda-avançada. Também frequentemente pecou por falta de previsão
e pragmatismo na arquitectura do Plano e gestão do Orçamento, da
modernização do mercado de consumo export e interno. As derrapagens
dos custos do complexo militar e do internacionalismo a fundo perdido
foram duas causas de quebra estrutural no redireccionamento de meios.
Voltemos, porém, ao campo de
prisioneiros da fórmula burguesa. Apesar de abalos telúricos de
baixa intensidade, socorrendo-se da corrupção metodicamente
organizada, da política-espectáculo e das miragens da sociedade da
abundância, a burguesia vai mitigando a fome aos olhos (através de
ementas de campanha), enquanto o estômago se queixa do PUB, [12]
servido pelas ECC. [13] Os mal-nutridos permanecem dependentes do
alimentador sistémico, dos Refeitórios de Adictos. Normalmente os
enfastiados perdem-se nas instalações sanitárias da alternância
ou vagueiam por grupúsculos coléricos ou engrossam a mole dos
vencidos do sofá. A junção destes factores faz com que (em
estados-estandartes desta espécie de democracia) a soma das
deserções e dos votos nulos oscile entre os 40% - 50%. Há cases de
60%. Os teóricos mediatizados e os bufões parlamentares sublinham a
necessidade e a premência de combater a abstenção, mas rezam em
privado para que milhões de inscritos se mantenham desmotivados: se
não votam em nós, que não votem contra nós. Muitos eleitos
sobrevivem graças aos que desistem de exercer o direito de voto.
Prezado JSM, o expediente electivo
burguês dá sinais de cansaço? Tem-se progressivamente esvaziado
como expressão e medida da vontade nacional ? Os cenógrafos e
guionistas sentem patentes embaraços na montagem das narrativas? As
roupagens e os figurinos começam a não caber nos roupeiros? Os
cabides poderão sugerir o design das forcas? É um facto. O
capitalismo desconfia de todos os competidores e de todos os
vassalos. Entrou na fase do emir decrépito perante o harém. Não
deixa, mesmo assim, de exibir mão cada vez mais dura e pénis cada
vez mais mole: supõe-se triunfante ab absurdo e anuncia o Fim das
Ideologias e o Fim da História. Faz a apologia da cartucheira, do
eunucado e da cegueira. Corta a raiz ao pensamento. Ignora a
antítese. Fossiliza a síntese. Proclamitifica-se. Não se
equacionando a extinção da humanidade, talvez ande a confundir o
nosso fim com o fim da sua história. E terá indicadores ambientais.
Os cisnes cantam mais do que o habitual.
Nesta conjuntura, adianto uma sentença
do Segundo Manifesto Marx-Engels (em ultimação): FOI ABOLIDA A PENA
CAPITAL EM MUITOS PAÍSES. FALTA ABOLIR A PENA DO CAPITAL EM TODOS OS
PAÍSES. [14] Missão ciclópica. A burguesia perde combates e
recupera posições (políticas, culturais, sociais, económicas,
militares, territoriais). Reendurece a musculatura. Refina o know-how
cleptocrático, securitário e propagangster. A classe burguesa e os
seus factótons regem-se por uma máxima do Manifesto Capitalista
Roths-Adams: RIQUEZA MÁXIMA PARA A MINORIA. MISÉRIA MÁXIMA PARA A
MAIORIA. [15] Assim é. Assim tenderá a ser. Mesmo quando a
governança recorre à caixa de socorros externos: ligação às
máquinas FMI, desemprego pandémico, sangrias emigratórias e suas
divisas-receitas, sucessivas transfusões de empréstimos-abutres,
reescalonamento de dívidas para o doente amortizar as intervenções
cirúrgicas e sempre que se impõe a criatividade, contas maquilhadas
por assessores da batota. Teríamos dezenas de cases para ilustrar o
intervencionismo. Centremos a atenção num país paradigmático:
Grécia – a cartada dos coronéis de 1967 e o esquerdismo
confusionista de 2015. Duas cartoladas com o mesmo objectivo: debitar
ao povo a crise do sistema capitalista. Centremos o olhar num país
contra-hegemónico: Cuba – tem sofrido invasões militares,
incursões terroristas, centenas de tentativas de assassínio do
Comandante, dezenas de anos de bloqueio para mostrar que o socialismo
é um projecto falhado. Decepção imperial: o modelo cubano, pesem
as nefastas dificuldades do estrangulamento, sobreviveu ao mais longo
assédio da História Moderna. [16] E só em regime socialista
(mobilizador de todos os recursos físicos e psicológicos) poderia
ter resistido e subsistido.
Caros JSM, HTM,
Subscrevei o Apelo de Highgate: Mortos
de Todo o Mundo, Uni-vos!
[1] John Stuart Mill
(1806-1873). Filósofo, economista, activista cultural e de causas de
género.
[2] AFD/Altas Funções
Decorativas.
[3] Harriet Taylor Mill
(1807-1858). Mulher de JSM. Companheira intelectual e de intervenção
na res publica. HTM cooperou reconhecidamente em trabalhos de JSM:
Economia Política (1848), Sobre a Liberdade (1859), A Sujeição das
Mulheres (1869). Produção autónoma e biobibliografia: The Complete
Works of Harriet Stuart Mill, Jo Ellen Jacobs, Indiana University
Press, 1998.
[4] OEBFD/Organização
do Estado Burguês de Fachada Democrática.
[5] Das Kapital /
Kritik der politischen Ockonomie, I volume, Karl Marx, Verlag von
Otto Meisner, Hamburg, 14/09/1867. Calendário dos quatro volumes:
1867, 1885, 1894, 1905.
[6] De profundis /das
profundezas do abismo ( Ofício de Defuntos / Salmos , 129,1).
[7] Highgate. Distrito
londrino que dá o nome ao cemitério-última trincheira de Karl Marx
(1818-1883). Stuart Mill e a esposa jazem em Avignon.
[8] CPR/Câmara Par do
Reino.
[9] LUB/Livro Único
Bicolor.
[10] O Partido
Comunista de Cuba teve refundação multipartidária. As forças que
mais directamente participaram na Revolução (1959) enveredaram por
um processus unitarizante: 1961-ORI/Organizações Revolucionárias
Integradas (Movimiento 26 de Julho, Partido Popular Socialista e
Directório Revolucionário);1962-PURSC/Partido Unido da Revolução
Socialista Cubana;1965-PCC/Partido Comunista de Cuba. O PCC, como
força autónoma, foi instituído em 1924.
[11] LMH/Longas Marchas
da História.
[12] PUB/Prato Único
Burguês.
[13] ECC/Empresas de
Catering Corporativo.
[14] Primeiro: Manifest
der Kommunistischen Partei /Manifesto do Partido Comunista, Karl
Marx, Fredrich Engels, London, 21/02/1848.
[15] A divisa adoptada,
em 1848, pela Grande Revolução Burguesa, parecia outra: Liberté,
Égalité, Fraternité. Mas este amour à française revelava, acima
de tudo, uma aproximação musical às vítimas da opressão, da
desigualdade, da desumanidade, face aos levantamentos sociais da
época (com o proletariado industrial a adquirir-acumular músculo de
classe). La burgeoisie oferece-se para enquadrar (na sua trindade
laica) o operariado e os desvalidos em geral. Dirige-se ao coração
dos seus miserables . Promete-lhes os seios da República. Comuna de
Paris, nunca mais! O Manifesto de Marx e Engels tem a mesma data.
Alerte Rouge.
[16] Assembleia Geral
das Nações Unidas (01/11/2017). Aprovada por 191 estados-membros
mais uma resolução (apresentada por Cuba) contra o bloqueio
económico, comercial e financeiro, em vigor desde 1959 e com custos
acumulados a caminho de 1.000 milhões de dólares. E quantos países
votaram ao lado do bloqueador de Cuba? Israel, o bloqueador de Gaza.
Dois Estados (democráticos) ignoram o resto do Mundo. Para que
servem as maiorias, mesmo absolutas, mesmo esmagadoras, perante a
arbitrariedade e a impunidade de algumas minorias? 191-2. Jogo claro.
Resultado concludente. Os EUA, isolados e despeitados, respondem aos
191: agravam as sanções e as interdições e sabotam o incipiente
processo de normalização diplomática.
Nota: Este artigo
encontra-se também em http://resistir.info/
Edição 128, Maio 2017
Edição 116, Março 2016
Edição 115, Fevereiro 2016
Marcelo Rebelo de Sousa,
presidente-cromo
As recentes eleições para a Presidência da República ampliaram o efeito e demonstraram a eficácia das campanhas de imagem. Venceu, como era das previsões político-climáticas, o candidato mais vendável a públicos tele(visados). A promoção de ícones não é um monopólio das tevês, mas os restantes meios são subsidiários ou retrógrados. No Ocidente, uma grande televisão tem mais força do que uma grande religião. Os fanáticos ou fiéis do écran são formatados pelo sistemicamente catalogado e homologável. Milhões de telespectadores são diariamente alimentados por via auditiva e visual. Jazem ligados à máquina. Só algumas minorias têm capacidade de autodefesa nacional e global. As fábricas de moldes e modas operam em laboração contínua. O processo de captura e persuasão de audiências conta, à partida, com inúmeros complacentes e cúmplices, viciados em tablets em vez de tabuadas, instados a trocar convicções por caras. O culto do padroeiro, dos posters da realeza, das vampices e vipices aburguesadas, dos cromos futebolísticos, das beldades de passarela e dos galãs e barbies do cinema, dos ídolos da canção – assenta no indivíduo-show, no iluminado-bafejado pelos holofotes. Os programadores de atracções fazem entrar pelas nossas casas dentro profissionais da demagogia e fantoches da diversão. Ocupam, em tempo real, o centro das salas e a parede nobre dos dormitórios. São armas apontadas a alvos. Procuram e conseguem rebaixar os níveis de atenção e selecção. Objectivo: transformar cabeças humanas em cabeças de gado. O poder mediático, pouco a pouco, torna o bicho ou a bicha num familiar, e assim canoniza qualquer criação ou criatura com recorte e potencial para servir os donos disto tudo. Para culminar os toques e retoques dos tevê-eleitos, irrompem, de canal em canal, dezenas de comentadores, quase todos abalizados e quase todos simuladores de independência, provindos de universidades católicas e laicas e de outras linhas de montagem e lavagem de cérebros.
Haverá ainda e por aí quem se espante? É a sociedade do espectáculo como modelo de sequestro psicopcional, de infantilização e degradação do espaço cívico e cultural. Exemplos triunfantes: Cicciolina e Grillo, a actriz pornográfica e o comediante da Itália das berlusconices, a concubina feita rainha, o bobo feito rei; Jardel (Brasil), antigo futebolista, analfabeto relapso, teve direito a puta-secretária e a conexões com corleones locais. E por aí adiante, Deus meu! A lista seria abundante, exuberante. A democracia burguesa é inclusiva: jamais excluirá ladrões de estirpe, criminosos de guerras convencionais e assimétricas, truões sem noção das cenas que fazem, safadinhas de anúncios classificados, fala-baratos de cátedra, dealers de interesses, ideias ou ideais (grossistas e retalhistas).
Marcelo tirou cursos de cadeirão académico, de líder partidário, de conselheiro de presidente da República e de candidato a presidente da Câmara e a presidente da República. E, além de ter ido repetidamente à praça como professor-opinador de todas as matérias, foi protagonizando rábulas de engraçadinho da turma. Pelos vistos, o chamado povo gosta do género: 24 de Janeiro dixit. Marcelo ganhou à primeira, com apoio maciço e massivo dos equipamentos mediáticos e apoiado nas suas graças. Que de muitas é ornado. Rezam os boletins. Recebeu um embaixador em cuecas. Fugiu dos fotógrafos em mota de água. Lançou-se ao Tejo para um banho de poluição e saiu limpo e vivo. Guiou um táxi pelas mourarias, com mini-saia no banco traseiro. Travestiu-se de gentil coiffeur de balzaquianas. Estacionou num lugar reservado a deficientes. Sabe-se lá que mais lhe debitam ou virão a averbar no currículo. Mas não foram nem serão as traquinices-marcelices o grande risco para as barreiras constitucionais e para as expectativas dos portugas em geral e dos seus votantes em particular, muitos provavelmente distraídos, levados na onda hertziana.
O que advirá? Aguentem, aguentem! O entertainer seduziu e poderá abandonar, na primeira e apertada curva, milhares ou milhões de teledependentes-telede(votos). Mas a decepção não será universal: neste preciso momento, há um cidadão feliz em Portugal e que dificilmente se arrependerá de haver apostado no filho do ministro de Salazar e putativo afilhado de Caetano: Ricardo Salgado (o do banco sólido e confiável) terá um amigo do peito em Belém. Preocupante será que Marcelo, como Cavaco e Passos e Portas, abdique de ser presidente dos portugueses e se trespasse, no meio das travessias e travessuras, como presidente-delegado de Bruxelas, do BCE, do FMI e de corporações autóctones de idêntico jaez.
Pior do que Cavaco não será possível. Diz-se. Assevera-se. Jura-se. Arrenega-se. Mas Marcelo deu uma cabazada nas eleições e, em termos de conservadorismo táctico-militante e da carteira de compromissos, era o mais enfeudado dos dez candidatos. Há muitos anos que, na Cromolândia, não vencem os melhores. Que mais, caríssimos?
Temos o Santo Marcelo entre nós. Obrigado, portugueses!
Edição 114, Janeiro 2016
MARCELUX
Saboaria PAF
Há razões nacionais e internacionais, regionais e sociais, culturais e de género para obrigar Marcelo a ir à segunda volta e aí ser derrotado e devolvido ao altar-cátedra da TVI (empresa audiovisual dita independente), onde regularmente o lente de Direito celebrou anos a fio missa dominical vespertina. De resto, assaz concorrida e generosamente paga. Segundo a mediatest, contabilizou mais fiéis do que a eucaristia matinal transmitida pela mesma estação. Tratemos, pois, da vaga marcelista (2ª edição). O marcelismo retomou as agendas. Não será assunto instantâneo. O caso remete-nos para o séc. XX. Para milhões de cidadãos – será oportuno recordar - bastou Marcelo I, o que ficou nos documentários, o abandonado pela GNR, cercado pelas tropas e pelo povo, saído in extremis do Quartel do Carmo, encafuado num blindado a caminho do exílio. Que o Supremo Magistrado do Juízo Final o conserve no purgatório como professor e no inferno como ditador. E agora? Brevemente o país será chamado a eleger o inquilino do Palácio Cor-de-Rosa. O Marcelo de 2016, afilhado do Marcelo de 1974, assume-se como vencedor antecipado. O showman conta com o favor dos oráculos da Grei.
Defendemos outro perfil para a Presidência:
1 Os portugueses precisam de um presidente que jure e de facto cumpra e faça cumprir a Constituição. Programa Comum da Democracia. Ponto irrenunciável. Linha intransponível. Marcelo é um sofista da palavra e um retalhista das leis da República. Pratica jurisprudência à la carte. Tem, no entanto, um roteiro de sangue: o dos interesses nacionais e internacionais da alta burguesia. O seu trajecto é o da evolução na continuidade. Pretende-se, com um apagão histórico-dinástico, retirar Marcelo da linha parental de Cavaco. Cavaco Silva e Marcelo de Sousa são estirpes evolutivas de Oliveira Salazar, Américo Tomás e Marcelo Caetano. Estirpes que foram e são apoiadas por idênticas forças económico-financeiras e matrizes ideológicas. A dupla Cavaco-Marcelo, com as suas peculiaridades, (um) hirto e iletrado, (outro) lesto a disparar comentários e a despachar livros, sinaliza o legado do autoritarismo e do elasticismo conservador possíveis num país que passou por uma revolução. Uma ruptura extensa e profunda que forçou o antigamente a esmerar-se em miméticas de hiber(nação), arremedos tiranossáuricos, inflexões tácticas, modulações discursivas. Mas, no essencial, a direita reagrupa-se e cerra fileiras. Por regra, só diverge entre si no episódico e secundário. Com tais performances de ruído e diversão (sociedade plural oblige), a direita, além da prossecução de latos e lautos desígnios, envia um sinal alienatório e instrumental aos insatisfeitos ou revoltados com a sua política: é possível dizer mal e votar nos causadores do mal. A direita (clássica ou pós-moderna) é useira e vezeira a ocupar fortalezas institucionais e privadas, a montar redes de influência, a improvisar coberturas, a estilizar imposturas, a assessorar regressos das castas, a concretizar retrocessos civilizacionais. Tem os cursos todos: os da ditadura real e os da democracia formal.
2 Numa Europa onde cresce a repulsa pelo gangsterismo bancário e pelos fundos-abutres, pelo assalto a patrimónios públicos e rendimentos colectivos e pela degradação dos serviços básicos, nesta Europa que dá múltiplos sinais de resistência e viragem e neste mundo a procurar alternativas ao processo de globalização imperial, precisamos de um chefe de Estado que seja mais amigo de Portugal (Povo Português) do que dos Ricardos Salgados, que provadamente se afirme defensor da nossa soberania, da nossa independência e da nossa honra, com visão multilateral e multifocada, advogado dos nossos legítimos interesses nos centros de representação, legislação e decisão.
3 Os portugueses precisam de um presidente que patrocine a instituição das regiões administrativas e rompa a fatalidade das assimetrias e da discriminação dos investimentos e da desertificação do interior e Marcelo liderou a campanha anti-regionalização que introduziu a figura do referendo no ordenamento constitucional e lançou toneladas de propaganda negra contra a electiva e efectiva descentralização.
4 Precisaos de um presidente que assuma o corpo de valores do trabalho, da segurança social, da saúde, do ambiente, da cultura, da paz, da igualdade e liberdade cívicas e de género e Marcelo é um cultor e difusor de direitos elitistas, machistas e patriarcais: na sua fase de liderança, o PSD votou contra a criação do Serviço Nacional de Saúde e Marcelo gabou-se de haver tido um papel determinante na manutenção da penalização da IVG. No ano da graça de 2016, os utentes em geral do SNS (desorçamentado, onerado de taxas, despovoado de servidores, esvaziado de valências e avaro nas prescrições, fisicamente extinto ou afastado das populações – isto é - sabotado pelos partidos do candidato das II Conversas em Família) e as mulheres em particular deveriam replicar e fazer abortar as pretensões de MRS a Belém. Fazer abortar Marcelo. Passa-palavra. A comunidade feminina portuguesa pagou uma farisaica e vexante factura marcelista: teve de esperar 10 anos para não incorrer em prisão, enquanto as fêmeas da burguesia (abonadas de carteira e informadas dos circuitos) sempre puderam dar ou não à luz ou ao interruptor uterino conforme o seu arbítrio, nem que tivessem de se deslocar a Londres e a outras praças da especialidade. E MRS sabia. E bem. Sempre foi um sensor ambiental.
5 MRS é um músico-geringonça a tocar para grandes públicos, principalmente para as vítimas dis(traídas) do sistema. O sistema deu-lhe corda e visibilidade. É versátil e cativante. Cultiva as artes cénicas. Tanto mergulha na poluição do Tejo como conduz um velho táxi na velha Lisboa. Tem roupeiro para cada saison. Enverga peles de jogador de salão e jongleur de écran. Preza os espaços lux. Sempre frequentou a corte: a corte do capital e a corte da capital. Também não desdenha da corte na aldeia. De quando em vez toma ares de província. Come uns petiscos e inaugura a sua biblioteca e goza o foguetório e aplaude a banda e beija a criancinha ataviada. À moda de personagens reais, aristocráticas e afidalgadas. É a sua regionalização.
6 MRS teve berço estado novo. Ainda jovem escreveu cartas de confidente a Salazar e a Caetano. Numa delas denunciava os comunistas como sombra tenebrosa acobertada na Oposição. Sanhas de mocidade portuguesa, com certeza. Epistolografia adulatória de quem naturalmente (estaria nos horóscopos) idealizava uma carreira na senda paterna. Não há que carregar demasiado na parte juvenil do cadastro. MRS até já cumpriu pena de serviço cívico: passeou pela Festa do Avante!
Rangel, outrora regente da SIC, alardeou ser capaz de eleger um presidente da República com o marketing de um sabonete. O homem era ambicioso e jactante mas tinha queda para o negócio. Há quem não lhe fique atrás: recentemente, a TVI, da multinacional PRISA, lançou a bomba do encerramento/colapso do BANIF. A cacha desencadeou uma corrida aos depósitos, operando-se uma sangria imediata de 1.000 milhões de euros. Ante o descalabro induzido, o Banco Central Europeu fechou a torneira. O Santander, accionista da PRISA, abocanhou o Banco Internacional do Funchal a preço de ocasião. Operação coordenada? Prodigiosa coincidência? De qualquer modo, a TVI mostra o seu instinto matador e o seu faro jackpot. Não há dúvida: facilitou a saída do El Gordo português ao Santander e mantém a expectativa de sucesso da sua candidatura: a marcelista. A confirmar-se o êxito da aposta belenense, a saboaria Judite de Queluz lograria bater a fábrica de sabonetes de Carnaxide, e - voilà - com um produto de largo espectro, já que viria reanimar a direita tecnofórmica e submarinista, ultimamente bastante flácida e cabisbaixa, a precisar (rapidamente e em força) de viagra PAFoda.
Que Deus tenha atempada misericórdia dos portugueses e das portuguesas em idade de votar e procriar.
Reprise do marcelismo, não.
Oremus.
Edição 112, Novembro 2015
25 de Novembro
O golpe iniciou-se em Novembro, dia 25. Prolongou-se pela
madrugada de 26. Corria o Ano da Desgraça de 1967. Oliveira Salazar presidia ao
Governo. Américo Tomás presidia à República. Santos Júnior era ministro do
Interior. Deus, ao que se presumia e alardeava, tinha Portugal sob custódia há oito séculos. Fátima acabava de ser
visitada, no 13 de Maio, pelo papa Paulo VI que (pelo
sim, pelo não) evitou escalar Lisboa. Temeu maus encontros. Diz-se que não quis
comprometer-se com o regime do Império e de Deus, Pátria, Família.
E certamente teria os seus presságios quanto a trombas humanas e
pluviométricas. No tocante ao resto, ao que se propagandeava, imperava a Ordem
e a Tranquilidade. Vivíamos em paz.
De facto, só estávamos em
guerra policial contra a população civil desde 1926. Na realidade, só estávamos
em guerra militar contra os movimentos armados de libertação desde 1961.
Os acontecimentos do 25 de Novembro
levaram o estado de calamidade a parte da capital e da região envolvente. Tudo
começou com medonhos trovões, fortes rajadas, chuvas diluvianas. Os céus
desabaram. As águas ocuparam ruas e casas, berços e campas. O saldo foi pavoroso.
As autoridades reconheceram a custo e a conta-gotas a existência de 462 mortos.
No entanto, as estatísticas revelar-se-iam mais pesadas. A história regista
outros números: cerca de 700 vítimas mortais e mais de 1000 desalojados. A
Censura afadigava-se para manter a verdade nos varais. Emanava
ordens patéticas e categóricas para os órgãos de comunicação. Por exemplo, para
a Rádio Clube Português: A partir de agora não morreu mais ninguém.Por exemplo, para o Jornal de Notícias: Urnas
e coisas semelhantes: não adianta nada e é chocante. Não falar do mau cheiro
dos cadáveres (nem) das actividades beneméritas dos
estudantes. É altura de acabar com isso. É altura de pôr os títulos mais pequenos. Somente o clandestino Avante!
(Dezembro de 1967) não acatava directivas da Censura: As inundações não
teriam originado semelhante tragédia se o governo se tivesse preocupado em
resolver da habitação para os trabalhadores, se tivesse cuidado da
regulamentação dos rios e da defesa das populações ribeirinhas, se tivesse tomado
as medidas de emergência que as circunstâncias impunham (...) porque
não foram destruídos pelas chuvas diluvianas os bairros residenciais de Lisboa,
mas sim os bairros de Urmeira, Olival Basto, Pombais...Quinta
do Silvade, Odivelas (…) os bairros arrasados encontravam-se
em zonas baixas, circundadas de colinas, facilmente inundáveis, construídos de
tábuas e lata (…) desde há muito que se clama contra o
assoreamento dos rios, contra a falta de diques. Desde há muito que se protesta
contra os fenómenos de erosão…Nem a mais pequena verba
para a regularização das águas do Tejo (…)
E afinal qual a justificação final e oficial para a catástrofe?
Ei-la (e não pasmem!), pois continua revista e actualizada: nada
tinha a ver com condições sociais, urbanizações precárias ou ilegais,
assoreamentos, ribeiras encanadas, colectores bloqueados, deficiências de
socorro. Insignes figuras políticas e religiosas remeteram as responsabilidades
para a esfera divina. E sabe-se: a cólera dos deuses é
milenar. De resto, na linha do jesuíta Gabriel Malagrida que debitou o
terramoto de 1 de Novembro de 1755 na conta-corrente
dos pecados do marquês de Pombal e dos seus sequazes. Ao fim e ao cabo, também
na linha de Calvão da Silva, ministro da Administração Interna, sucessor de Santos
Júnior, que a respeito das inundações da Albufeira (2015) logo detectou a mão
das forças demoníacas, aceitando como item da teologia pragmática a
insensibilidade do Criador: Deus nem sempre é amigo. No afã
desculpacionista, apenas cometeu um deslize de angariador de apólices:
aconselhou os portugueses a confiar mais nas Companhias de Seguros do que no
Omnipotente e Misericordioso. Demonstrou, contudo - vá lá - visionária
compaixão ao referir-me ao morto de Boliqueime: Entregou-se a
Deus.
No fundo, CS, apesar de tantas sanhas e indiferenças das
potestades, andou com sorte: apenas foi rejeitado, com o demais lote
governamental, pela Assembleia da República. E idêntico e benévolo despacho
mereceu SJ, o ministro das cheias de 1967, o ministro da brutal repressão das
manifestações estudantis e operárias de 1962, o ministro da PIDE (1961-1969), a
que assassinou o general Humberto Delgado, obviamente com a sua chancela, em
1965. SJ foi dispensado pelo marcelismo. Sinais dos tempos: evolução na
continuidade. O Júnior deu lugar ao Rapazote. Pior destino teve
Malagrida, alvo de auto-de-fé: (…) que com
baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas desta cidade à Praça do Rossio
e que nela morra morte natural de garrote, e que depois de morto seja seu corpo
queimado e reduzido a pó e cinza, para que dele e sua sepultura não haja
memória alguma.
Novembro, 25.
Data funesta.
SOBRE O RUÍDO DE FUNDO
Ouvi dizer que a mordaça de alta tecnologia e baixa ideologia
se impôs, pouco a pouco, de Sul para Norte. Os computadores não falam. Já se
sabia. São perigosíssimos. Ardilosos. Como certas doenças. E os jornalistas? Pouco falam ou falam de insignificâncias
Entrei nas páginas dos diários em 1960
(Diário de Lisboa/Suplemento Juvenil). Um latino socorrer-se-ia da vulgata In illo tempore. Um português do vulgo
coçaria a cabeça: Foda-se! Há que tempos! Um coronel do Antigo Regime interpelaria
uma ordenança do Novo Regime: O gajo
resistiu ao lápis? Ainda escreve? Não o tenho visto. Nem sequer na Necrologia. Vos digo: não fujo ao In
illo na construção do presente. Arreigadamente. Serenamente. Com eterna
nostalgia e fraterna rebelião. Numa fortaleza fixa (de papel), extensão da
fortaleza móvel (cibernáutica). Sou um combatente todo-o-terreno. À superfície
da Terra. Sê-lo-ei debaixo da terra.
Há que tempos!
Entrei nas páginas dos jornais quando as máquinas de
escrever falavam. Na altura, além dos animais, também os jornalistas falavam.
Além disso, escreviam, discutiam, zangavam-se, conversavam, contavam anedotas.
Quase sempre em voz alta. As direcções e as chefias (pelo menos, algumas)
participavam no frenesim do nascimento quotidiano do jornal. Os colaboradores,
os tipógrafos, os administrativos, os motoristas, os contínuos também
integravam a sinfónica. A Redacção era um campo aberto, de fogo cruzado.
Comecei a aprender que era essencial ter boca para escre(ver).
Descobri que falar era pensar alto e redundava num expresso compromisso. Com a
Redacção, a Sociedade, a Cultura, a Língua, a Civilização. Consequentemente,
prenúncio de acção. Lúcida e determinada. Liberta e libertadora. Mas o
matraqueado da máquina de escrever ficou como marcador ambiental. A Redacção
assemelhava-se, a certas horas de ponta, a um pavilhão fabril e febril, a um
concerto de teclados. Não é que tenha saudades das velhas máquinas.
Digo-vos. Tenho saudades do ruído de fundo.
Ouvi dizer que a mordaça de alta tecnologia e baixa
ideologia se impôs, pouco a pouco, de Sul para Norte. Os computadores não
falam. Já se sabia. São perigosíssimos. Ardilosos. Como certas doenças. E os
jornalistas? Pouco falam ou falam de insignificâncias
ou do importante para o business. Não
é de agora, não é. Mas o mal alastrou. Agudizou-se. Foi duro saber e confirmar.
Dizem-me que bem-pensar é o que está dito, que contra-agir é interdito. Também
consta que os leitores dão mostras de impaciência com a quietude ou a
insonorização dos teclados. A voz da rua não reconhece o produto como seu. Já ninguém diz o meu jornal, o nosso jornal,
a não ser algum accionista, governante ou banqueiro. Sei lá: algum publicitário
de açaimos ou algum pajem de Anfitrião ou de call center da Nova Mocidade Portuguesa.
Sei lá: um dos que confundem Imprensa com empresa ou central de fretes, Rádio
com amplificador de feirante ou festivaleiro, Televisão com escola de massas
neerdenthalizadas, narcotizadas com spray
de écran.
Sei lá. Isto é: bem sei. Sei lá: bem avisei.
Convidaram-me a visitar uma PLM/Plataforma Logística
Multimédia. Hesitei. Juraram-me que era uma antiga redacção. Objectei. Já sabia
que os computadores trabalhavam pela calada. Preveniram-me que os jornalistas
cerravam os lábios por causa da gripe NC/Nova Censura, que afecta sobremaneira
a classe desde que o poder das redacções foi esvaziado na Lei de Imprensa;
desde que privatizaram, rapidamente e em força, o Sector de Comunicação Social
Público; desde que iniciaram a limpeza da geração das conquistas democráticas,
propondo rescisões amigáveis e
apertando a grelha cívica das admissões; desde que as entidades patronais
deixaram cair o princípio de negociação; desde que se concedeu Carteira
Profissional a todos os que assinavam o nome e juravam fidelidade aos Donos
Disto Tudo; desde que encerraram a Caixa de Previdência, mandando os beneficiários
e os seus descontos para as urgências do adiamento e do caos, os corredores da
vida ou morte lenta.
Sinto a falta de ruído. A minha última máquina foi uma
Messa. Se a interrogarem, fará saltar a tecla C: este tipo é Camarada. Se fizerem a mesma pergunta a
um computador, também é capaz de fazer saltar a tecla C: este tipo é Chip. É certo que sempre houve de tudo.
Nas farmácias dos espíritos como nas farmácias dos corpos. É certo que também
hoje há profissionais competentes, criativos, combativos e honrados.
Quantos?
E onde?
Marquemos encontros de gerações.
Um viril plenário contra o silêncio.
III Encontro de
Gerações JN, Coimbra (O Cantinho dos Reis), 31/10/2015
***
*** ***
Edição 111, Outubro 2015
CHAMEM
A NATO
O quadro
pós-eleitoral, ao privar os situacionistas de maioria absoluta, lançou o pânico
nas respectivas hostes, logo que o PS se inclinou para auscultações e
negociações à Esquerda. A fórmula do Bloco Central de Interesses, na vertente
política, parecia perpetuada (nem sequer merecia abordagem). Tratava-se de um
direito divino adquirido, a juntar aos direitos económicos e mediáticos,
igualmente determinados pelo Além, segundo Clemente, benzedor da troika
interna. Portanto, conversações para formar Governo ou garantir apoio parlamentar
só e sempre à Direita. Bastaram algumas reuniões entre PCP, PEV, BE e PS e o
assentamento de alguns pontos de partida para um hipotético entendimento e
todas as tropas da Coligação e de seus reservistas e infiltrados se
apresentaram ao serviço, entraram de prevenção e começaram a disparar setas
envenenadas, balas tracejantes, morteiros da pesada, granadas de fumo e até
tiros de pederneira e pólvora seca.
UI! A NATO!
Tese
reinante: Como é que se poderá consentir que se dialogue
ou chegue a um princípio de acordo com partidos contrários às amarras de
Portugal a esta organização? Por mais que se fuja da peste propagandiária,
acabamos por esbarrar com algum excitadíssimo jornaleiro, algum azougadíssimo
microfoneiro, algum reputadíssimo e refinadíssimo comentador. Todos de plantão.
Todos em estado de prontidão. Todos de arma apontada para o Largo do Rato, para
a Rua de Soeiro Pereira Gomes, para a Rua de D. Carlos I, para a Rua da Palma.
UI! A NATO!
Acontece que
alguns países da União Europeia não estão na NATO: Áustria, Chipre, Finlândia,
Irlanda, Malta, Suécia.
Acontece que
alguns países europeus da NATO não estão na UE: Albânia, Turquia.
Acontece que
alguns países da UE não estão na Zona Euro: Bulgária, Croácia, Dinamarca,
Hungria, Polónia, Reino Unido, República Checa, Roménia, Suécia.
Acontece
que, nos anos seguintes ao derrube da ditadura fascista, tiveram assento no Governo de Portugal Democrático partidos e personalidades
que não prezavam a manutenção do nosso país, mesmo como membro pouco viril
desta estrutura de poder intercontinental. E a Revolução operou-se. E a mudança
processou-se.
UI! A NATO!
E um cidadão
desprevenido embrulha-se nas páginas dos jornais, tropeça nos fios auriculares (radiofónicos
e televisivos). E mais grave: enquanto escuta a rádio, pode atropelar, na
Rotunda do Marquês ou em Carnaxide, o gnomo Marques Mendes. E que perda digna
do panteão: é das criaturas mais convictas do fim do mundo ou do seu mundo. Que
risco corre esta pátria com nove séculos de história: vai baixar o IVA da
restauração. Mais: vão ser revistas as sobretaxas do IRS. Mais: os reformados e
funcionários públicos poderão respirar mais uns euros. Mais: as pequenas e
médias empresas vão receber estímulos. Portugal não irá empobrecer tanto nem
tão depressa. Que desgraça!
Chamem a
NATO. Rapidamente e em força. UI! UI!
Acontece é
que não há nenhuma alma caridosa que ofereça aos Marques Mendes da Praça
Mediática um volumezinho da Constituição da República Portuguesa. Então, o
hiperactivo MM é alienígena? Acabou de aterrar, em fraldas, numa televisão
amiga? Foi deputado, ministro, chefe partidário e nunca leu a Constituição,
mesmo para a rever? É que os partidos de esquerda anti-NATO limitam-se a seguir as recomendações da Lei
Fundamental. Leiam, Marques! Leiam,
Mendes! PCP, PEV, BE, ao colocar a NATO em questão entre os seus objectivos
programáticos (que não entram nas discussões em curso) respeitam o artigo 7º.
Porventura já ouviram falar do 7º? Os MM estão alheados de tudo que se
relacione com a legalidade refundadora da República. E estão a criar um
embaraço ideológico ao sistema: ao predicar que os partidos não advogantes da
NATO têm de ser excluídos do Arco da Governação, acabam por oferecer uma arma
de destruição massiva e maciça aos adversários: Democracia e NATO são
incompatíveis. Assim se depreende dos escritos e ditos dos grão-natistas, dos
mais ferrenhos, dos açulados, dos cavaleiros do Templo.
Constituição da República Portuguesa
Artigo 7.º
1. Relações
internacionais. Portugal rege-se pelos princípios da independência nacional…da solução pacífica dos conflitos internacionais,
não ingerência…
2. Portugal
preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras
formas de agressão…bem como o desarmamento geral,
simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares.
Aqui vai.
Devidamente endereçado.
Sempre houve
uma alma caridosa.
---
Democracia
capturada
A
Constituição atribui a quatro entidades o qualificativo de órgãos de soberania:
Assembleia da República, Presidência da República, Governo, Tribunais. Mas na
prática, o edifício legislativo e executivo foi sendo retocado, remodelado e
ocupado por inimigos da Lei de Abril. A apropriação-parasitação foi bandeirada
por sectores da banca e das grandes obras. A zo(nação)
clientelar tornou-se cada vez mais ousada a partir de 1986 (abertura da
torneira comunitária). As portas da fortaleza foram cedendo aos assédios.
Principalmente às contrapartidas, aos cantos dos fundos e paraísos fiscais. Os
infiltrados criaram as suas redes hospedeiras, desvirtuaram funções e decisões
do Estado, formataram opções estratégicas do país. Mesmo na actualidade, em
plena crise, é patente o longo braço dos corleones da finança e do betão. Não admira,
pois, que estes refundadores do estado das leis & das coisas hajam sido e
continuem a ser os grão-financiadores dos aparelhos da
sua política e os grandes colocadores e aliciadores de agentes de ligação. Para
sofisticar o sequestro da democracia, houve também que recorrer a competências
externas, particularmente a escritórios de advogados com now-how para conformar
diplomas, operar contactos, agilisar reuniões, desbloquear dossiers. E a
operação não poderia dispensar tropilhas e blackwaters do publicado (Imprensa,
Rádio, Televisão). O espaço celulósico e hertziano foi infestado de autómatos
sistémicos e cruzados neoliberais. Deste modo se cimentou uma tríplice aliança:
Bloco Central Económico, Bloco Central Político, Bloco Central Mediático. Assim
se alojaram no edifício da res publica informais e tentaculares órgãos de
soberania. No fundamental, cada bloco tem cumprido o seu papel: ou intervém na
tomada da fortaleza ou vela pela ordem nas ruas e cabeças.
A
Constituição da República Portuguesa, periodicamente revista ao sabor dos Donos
Disto Tudo (nativos e forâneos), é encarada pelos croupiers e pregoeiros do
eurocasino como um mausoléu que é necessário limpar de referências libertadoras
e igualitárias. As Quatro Colunas que sustentam o edifício constitucional
(Democracia Política, Democracia Económica, Democracia Social, Democracia
Cultural) foram e estão a ser abaladas pelos socavadores de turno ou de
empreitada geral. Na arquitectura constitucional apenas uma coluna (embora a
inclinar) se mostra menos degradada: a Democracia Política. Falta saber por
quanto tempo se manterá de pé um edifício de quatro colunas, com três minadas e
lascadas até ao osso. E pouco lhes importa que o sufrágio constituinte detenha
uma representatividade avassaladora relativamente a outros sufrágios. Por
regra, a direita mais voraz só nos tribunais acata a legalidade fundadora e a
vontade popular. E mesmo assim reinterpreta os acórdãos e logo reincide. Tem
feitio inconfiável e contumaz. Portadora de uma carteira de negócios confessos
e obscuros (está-lhe na massa do sangue), não se reinsere de bom grado na ordem
democrática. Está às ordens do grande capital doméstico e global. É seu veículo
institucional e instrumental. Diligentemente servido pela Boa Imprensa, pela
Boa Rádio, pela Boa Televisão. E até onde resistirá uma Democracia Política
capturada por uma Ditadura Económica?
Após a
Revolução dos Cravos e da Aliança Povo/MFA, os partidos do presente Arco da
Governação tudo fizeram para acelerar o regresso dos militares aos quartéis.
Brandiam, na altura, o argumento da submissão das Forças Armadas aos órgãos
civis. Justificavam a retirada como um princípio basilar do Estado de Direito,
uma prova de maturidade democrática. Mas o que eles, de facto, não desejavam e
verdadeiramente temiam é que o Povo contasse com um tão robusto aliado. Os
mesmos que pressurosamente empurraram os militares para as casernas não tiveram
pejo em tornar-se cavalos de Tróia e condutores de
carros de assalto nacionais e internacionais. Está à vista este compromisso
Portugal. Não ousam mandar para casa os que se apoderaram das rédeas e dos
réditos da nação. Os partidos do Arco do Poder, alapados à mesa do Orçamento
(Público e Privado), têm-se comportado, desde 1976, como mamadeiras tricolores
e plataformas de agentes infiltrados. Tudo têm feito para que os DDTs parasitem
e privatizem o Estado, nele estabeleçam as suas bases anti-sociais
e anti-nacionais, nele se entronizem e possam ufanar-se: L'État c'est moi.
O processo
subversivo em curso há muito encetou a sua Longa Marcha e o seu Salto em Frente
e não se inibe de exibir músculos de ginásio. Tanto assanhamento reflecte uma
natureza classista rapace, um encher de peito com a cumplicidade da mafiocracia
global, mas também induz outro nível de leitura: receio. De quê? Do crescendo
dos movimentos de protesto anti-sistema e do
revigoramento das organizações de ruptura. A campanha concertada
de apartheid partidário, ante os ensaios de viabilidade e as negociações
em curso para formar um Governo com suporte parlamentar de esquerda, revela a
que ponto chegou a monopolização do regime, levada a cabo por sectores
habituados a comportar-se como Donos Disto Tudo. Até o cardeal Clemente, com o
seu arzinho de menino de Deus, veio ungir o Bloco Central de Interesses. Estas
forças tentam bloquear uma solução que saia da matriz de controlo pleno. O PS,
vendo a definhação dos congéneres (por ao longo de décadas se haverem
confundido com a política de direita e as suas negociatas), busca garantir os
serviços mínimos de esquerda, estruturar uma fórmula que lidere. E que dizer,
então, aos espoliados, aos inconformados, aos decepcionados, aos ludibriados,
após decénios de incumprimento de contratos de cidadania por parte das
governanças de alterne? E que fazer neste quadro de pauperização e
marginalização da maioria dos cidadãos? Os defensores da Ordem Constitucional
têm de dar combate todo-o-terreno ao Bloco Central de Interesses. O Direito de
Resistência está inscrito na Constituição da República Portuguesa: Todos têm
direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e
garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível
recorrer à autoridade pública. (Artigo 21). [1]
16/Outubro/2015
[1] Nas
eleições para a Assembleia Constituinte (1975) estavam inscritos 6.231.372
eleitores. Votaram 5.711.829 (91,66%). Abstiveram-se 519.543 (8,34%). Nas eleições legislativas de 2011 estavam
inscritos 9.624.133 eleitores. Votaram 5.588.594 (58,07%). Abstiveram-se
4.035.539 (41,93%). Nas eleições
legislativas de 2015 estavam inscritos 9.682.553 eleitores. Votaram 5.408.805
(55,86%). Abstiveram-se 4.273.748 (44,14%).
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Edição
110, Set.º 2015
Assinalando o 40º aniversário
A Constituição atribui a quatro entidades o qualificativo de órgãos de
soberania: Assembleia da República, Presidência da República, Governo,
Tribunais. Mas na prática, o edifício legislativo e executivo foi sendo
retocado, remodelado e ocupado por inimigos da Lei de Abril. A apropriação-parasitação
foi bandeirada por sectores da banca e das grandes obras. A zo(nação)
clientelar tornou-se cada vez mais ousada a partir de 1986 (abertura da
torneira comunitária). As portas da fortaleza foram cedendo aos assédios.
Principalmente às contrapartidas, aos cantos dos fundos. Os infiltrados criaram
redes hospedeiras, desvirtuaram funções e decisões do Estado, formataram opções
estratégicas do país. Mesmo na actualidade, em plena crise, é patente o longo
braço doscorleones da finança e do betão. Não admira, pois, que
estes refundadores do regime hajam sido e continuem a ser os
grão-financiadores dos aparelhos da sua política e os grandes
colocadores e aliciadores de agentes de ligação. Para sofisticar o sequestro da
democracia, houve também que recorrer a competências externas, particularmente
a escritórios de advogados com now-how para conformar
diplomas, operar contactos, agilizar reuniões,
desbloquear dossiers. E a operação não poderia dispensar tropilhas
eblackwaters do publicado (Imprensa, Rádio, Televisão). O espaço
celulósico e hertziano foi infestado de autómatos sistémicos e cruzados
neoliberais. Deste modo se cimentou uma tríplice aliança: Bloco Central
Económico, Bloco Central Político, Bloco Central Mediático. Assim se alojaram no
edifício da res publica informais e tentaculares órgãos de
soberania. No fundamental, cada bloco tem cumprido o seu papel: ou intervém na
tomada da fortaleza ou vela pela ordem nas ruas e cabeças.
Após a Revolução dos Cravos e da Aliança Povo/MFA, os partidos do
presente Arco da Governação tudo fizeram para acelerar o regresso dos
militares aos quartéis. Brandiam, na altura, o argumento da submissão das
Forças Armadas aos órgãos civis. Justificavam a retirada como um princípio
basilar do Estado de Direito, uma prova de maturidade democrática. Mas o que
eles, de facto, não desejavam e verdadeiramente temiam é que o Povo contasse
com um tão robusto aliado. Os mesmos que pressurosamente empurraram os
militares para as casernas não tiveram o mínimo pejo em tornar-se
cavalos de Tróia e condutores de carros de assalto nacionais e internacionais.
Está à vista este compromisso Portugal. Não ousam mandar para casa os que se
apoderaram das rédeas e dos réditos do regime. Os partidos do Arco do Poder,
alapados à mesa do Orçamento (Público e Privado), têm-se comportado, desde
1976, como mamadeiras tricolores e plataformas de agentes infiltrados. Tudo
fizeram e continuarão a fazer para que os DDT`s parasitem e privatizem o
Estado, nele estabeleçam as suas bases anti-sociais e
anti-nacionais, nele se entronizem e possam ufanar-se: L’État c’est moi.
A Constituição da República Portuguesa, periodicamente revista ao sabor
dos donos disto tudo (nativos e forâneos), é encarada pelos croupiers e
pregoeiros do eurocasino como um mausoléu que é necessário limpar de
referências libertadoras e fraternas. As Quatro Colunas que sustentam o
edifício constitucional (Democracia Política, Democracia Económica, Democracia
Social, Democracia Cultural) foram e estão a ser abaladas pelos socavadores de
turno ou de empreitada geral. Na arquitectura constitucional apenas uma coluna
(embora a inclinar) se mostra menos degradada: a Democracia Política. Falta
saber por quanto tempo se manterá de pé um edifício de quatro colunas, com três
minadas e lascadas até ao osso. E até onde resistirá uma Democracia Política
capturada por uma Ditadura Económica?
O processo subversivo em curso há muito encetou a sua Longa Marcha e o
seu Salto em Frente e não se inibe de exibir músculos de ginásio. Tanto
assanhamento reflecte uma natureza classista rapace, um encher de peito com a
cumplicidade da mafiocracia global, mas também induz outro nível de leitura:
receio. De quê? Do crescendo dos movimentos de protesto anti-sistema
e do revigoramento das organizações de ruptura. E que dizer, então, aos
espoliados, aos inconformados, aos decepcionados, aos ludibriados, após
decénios de incumprimento de contratos de cidadania por parte das governanças?
E que fazer neste quadro de pauperização e marginalização da maioria dos cidadãos?
Os defensores da Ordem Constitucional têm de dar combate todo-o-terreno ao
Bloco Central de Interesses. O Direito de Resistência está inscrito na
Constituição da República Portuguesa: Todos têm direito de resistir a
qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir
pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade
pública. (Artigo 21). 1
Está inscrito.
Ainda.
1. Nas eleições para a Assembleia Constituinte, estavam inscritos 6.231.372
eleitores. Votaram 5.711.829 (91,66%). Abstiveram-se 519.543 (8,34%). Nas
últimas eleições legislativas (2011), estavam inscritos 9.624.133 eleitores.
Votaram 5.588.594 (58,07%). Abstiveram-se 4.035.539 (41,93%).
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Edição109,
Junho 2015
MARX NO LARGO DO RATO
No rescaldo do II Congresso Internacional Marx em
Maio, (1) três personalidades convidaram Karl Marx para uma sessão de três
perguntas. O rendez-vous decorreu no
nº 2 do Largo do Rato.
Questão colocada por Mário
Soares, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, ex-primeiro-ministro,
ex-presidente da República, ex-secretário-geral do PS, Conselheiro de Estado,
presidente da Comissão de Liberdade Religiosa.
Como insere o Diálogo
Inter-Religioso na crise de valores?
K. M. O problema não passa por dois mil anos de
cristianismo a comer carne de vaca e a queixar-se do excesso de proteínas
enquanto o hinduísmo continua a venerar a vaca e a morrer à fome. A questão não
passa por dois mil anos de cristianismo a comer carne de porco enquanto o
islamismo e o judaísmo consideram repugnante o consumo de suínos. É certo que
as vacas e os cevados têm considerável peso em múltiplos domínios da
agropecuária e do simbólico. Certo é que a besta sagrada continua a alienar
grande parte da sapiens,
colaborando, com irrefreável animus,
na adulteração da ciência em magia, na substituição da filosofia pela
idolatria. É óbvio que a apologética e a praxis
religiosas são arsenais de balizamento cultural e controlo social. As mensagens
da promissão e da punição seduzem milhões de seres com contas a acertar com o
destino e a banca. Não será por mera coincidência que os animais de culto mais
aceite ou ditado pelas armas têm uma tipologia comum: são mamíferos e possuem
armações. Quer se trate do fedorento bode expiatório ou do ternurento cordeiro
de Deus. Todavia, quem verdadeiramente decreta o Paraíso no além para os pobres
e no aquém para os ricos não são Bíblias, não são Vedas, não são Corões, não
são Talmudes. Não são concílios de deuses. Nem sequer é a Assembleia Geral das
Nações Unidas. Muito menos é determinado pela
Assembleia da República Portuguesa. Cabe ao Kapital
eleger os dignos e os indignos da face divina e dos beneficiários do leite e do
mel. Haverá, por consequência e previdência, que relativizar o poder religioso
no além e no aquém. A supremacia do sobrenatural é exorbitada. No fundamental,
aparente. Move-se num conjunto de peças articuladas. As organizações religiosas
são sobretudo gestoras de anestésicos cristãos e
combustíveis jhiad. O Kapital não deposita demasiada fé no
transcendente. Há muito que confia mais numa grande televisão do que numa
grande religião. O Kapital investe na
narcodiversidade: a cocaína colombiana e a heroína afegã são tanto ou mais incentivados e cultivados do que o ópio do povo. E, monsieur,
as receitas das drogas pesadas não andarão longe dos dividendos do céu. O
mercado da aluci(nação) é muito competitivo e
possessivo. O Império não dorme: mantém a manu
militari na Colômbia e no Afeganistão e assegura as rotas de tráfico no
planeta. Mas regressemos, mon ami, ao bestiário ocidental. Sem dúvida que o jumento teve o
privilégio de testemunhar as manobras de parto da Virgem-Mãe. Consta que num
estábulo palestino, num Dezembro, que marcou o início da nossa era. Mas regressemos, mon ami,
ao bestiário oriental. Sem dúvida que os templos asiáticos elevaram o elefante
a potestade. Contudo, confrontados os Livros Sagrados com os Livros Profanos,
assomará sempre a Revelação do Anjo: os quadrúpedes que comandam as carteiras
de expectativas, os mapas de intervenção e os negócios do Mundo não são
celebrados nos santuários do Ocidente e do Oriente, mas na Casa Branca, no
Capitólio, no Pentágono, nas Agências de Espionagem e Propaganda, na FED, em
Wall Street, no BCE. Com efeito, politicamente estamos à mercê dos couces do
burro Democrata e das trombas do elefante Republicano. De resto, Deus convive
com o bezerro sem qualquer complexo, sem exarar uma declaração de voto. Mon ami, fui consultado.
Questionar-vos-ei. Que raios e coriscos desfecham os Céus quando a NATO
empreende um ataque do Kapital in nomine Dei? Que denúncias trovejam os
profetas, frequentemente desautorizados pelas maquinações da CIA e pelas
devassas urbi et
orbi da NSA? Monsieur,
como podereis dialogar com o homo
erectus - jurai - se reverenciais
solípedes e proboscídeos? Monsieur,
vós que falais do púlpito inter-religioso para o cosmos, que futuro decente
esperará a cristandade - confessai - se o verdadeiro cristianismo (o que
galvaniza as televisões e as rádios e os jornais e afervora as multidões) é
encarnado por um ídolo com pés de barro, por Cristiano? Monsieur, a Igreja Católica acabará por canonizar este 13º
apóstolo? Cristiano estará a caminho dos altares? Graças já muitas derramou. Milagres já vários operou. Por exemplo: pôs uma irmã a
cantar. Crise de valores? Passa pelas Agências de Rating. Passa ao lado do Sumo
Francisco, fetiche mediático e coqueluche de monsieur, credor de passe-partout na sua secretária, vis-à-vis com Obama. Este, obviamente,
tem mais margem decisória do que o Sumo e obviamente do que o monsieur mas,
mesmo assim, não dá ordens à Goldman Sachs, à FED, à Boeing, à Shell, à
Carlyle, à Blackwater, nem sequer a Netanyahu. Recebe ordens. E tem de zelar pelo
reforço da Ordem Económica Global, aliciando ou pressionando dezenas de Estados
a assinar o TTIP e o TSA. E em que medida a atribuição do Prémio Nobel da Paz
contribuiu para a paz, monsieur?
Obama mantém todas as guerras herdadas de Bush (pai & filho) e foi
adicionando outras campanhas armadas (directamente ou por procuração: Bahrein,
Iémen, Líbia, Síria, Ucrânia, etc.). É certo: Obama sorri generosamente e veste
à manequim. E de que serve à Humanidade este porte de etiqueta e este traje de
mordomo? Obama manda? É mais mandado do que manda? Há tempos, um ex-presidente USA, James Carter, num desabafo televisivo, não conteve as
lágrimas. Justificou o que fez e o que não fez: o presidente não manda. Também o papa Francisco não manda na Igreja
nem muda os grandes interesses e desígnios da Igreja: apenas poderá mudar (e
temporariamente) a imagem da Igreja, objectivo acalentado pelos sectores
táctico-prudenciais, após um longo ciclo de descrédito (crimes do banco do
Vaticano, colaboração com as ditaduras mais sinistras (principalmente na
América Latina), e as geopolíticas mais predatórias um pouco por todo o orbe,
desautorização dos teólogos da abertura, acosso dos padres-operários, quebra
das vocações sacerdotais e conventuais, evasão de crentes, confirmações de
pedofilia, suspeitas de magnicídio, etc.). Monsieur,
mon mi, fraseados cativantes, gestos
de proximidade, valores abstractos, paroles.
Monsieur, sempre que uma organização
com cultura para dar a volta, com
verbo de aggiornamento, gera e
acumula desencanto e vê reduzir-se a sua fatia de mercado e a empatia geral,
desce uns degraus da pirâmide. Simula mesmo descer à base. Foi o que sucedeu
com a rainha da Inglaterra ao condecorar os Beatles com a Ordem do Império.
Pretendeu vender um sinal de identificação com a maré juvenil e contestatária.
Com a entrega do colar, que mudou na Casa Real, na Monarquia Britânica, no
capitalismo deste subimpério? Só as princesas trocaram de amante com mais
desembaraço e menos resguardo, dividindo o tálamo com nobres, plaboys e plebeus. Realmente, esta modernização apenas fez prosperar os
tablóides. Neste interlúdio do séc. XXI, cabe à Igreja
do Polvo de Deus resignar-se a aceitar um papa realmente bom, em comunhão com a
Igreja do Povo de Deus e os condenados da
Terra. Os Média andam com o papa-sorriso ao colo.
Sim, monsieur, todos os dias nos
ministram o tónico do Santo Padre. Os empresários da opinião pública preferem
que depositemos esperança na palavra solta, a tocar o irreverente, do public relations Francisco da Santa Sé do
que nas palavras de ordem de manifestações e greves anti-establishment, e dos projectos revolucionários e alternativos. Por
isso, nos instruem para que sejamos todos franciscanos,
sob pena de tresmalhe herético. Em verdade, em verdade
vos digo, monsieur,
já outro franciscano, João XXIII, foi um bondoso papa, após séculos de
papas-maus. O tempo o requeria. Deus o chamou à sua presença, encerrando o seu
esplêndido e breve pontificado (1958-1963). Tiveram de passar 50 anos, a fim de
que Roma achasse que o fumo branco
deveria anunciar um amigo da justiça e da paz. Até quando e com que balanço
pastoral? Lembrarei, monsieur: já o fundador da Ordem Franciscana, Francisco de Assis,
que irrompeu, no hagiológio, para redimir a Igreja e o Mundo dos desmandos da
riqueza e da baixeza, não impediu que, nestes 800 anos, a Terra fosse
preservada de colossais pilhagens e terríveis atrocidades, com a Igreja, por
regra, cúmplice. Mais, monsieur, a
Ordem Franciscana, que advogava o despojamento das sandálias apostólicas,
acabou presa do ouro e do incenso e de seus compromissos. Vossa Senhoria é
confessadamente franciscófilo e obamaníaco, porque precisa de se autojustificar
e reescrever a sua biografia. Fez o que o sistema lhe exigiu e continua a
exigir: atirou o socialismo, com uma pedra ao pescoço, para o fundo do mar e
agora reza pela sua alma.
Questão colocada por Vítor
Constâncio, ex-ministro das Finanças, ex-governador do Banco de Portugal,
ex-vogal do BPI e da EDP, ex-secretário-geral do PS, vice-presidente do Banco
Central Europeu:
Qual
o papel do Euro na unificação da Europa?
K. M. Sehr
geehrter herr,(2)
o Euro é o Marco do IV Reich. Na guerra económico-financeira, Portugal deixou
cair o Escudo e ficou desarmado. Sei do que falo. Sou alemão. Portugal tem uma
economia débil e uma moeda forte. Desenvolveu a doença da dívida galopante,
estimulada pelos credores, apostados em criar uma grande zona de ajuda, baseada
na suspensão dos instrumentos de soberania e sob a bota da usura e a égide da
jurisprudência extraterritorial. Porque serei suspeito de ser marxista,
reforçarei a minha tese euromonetária com os empréstimos de Mayer Rothschild e
John Adams, afiançadores do domínio da finança sobre a Política, a Economia, a
Sociedade, a Comunicação, a Cultura.(3)
Questão colocada por José Sócrates, ex-militante do
PSD, ex-deputado, ex-secretário de Estado, ex-ministro, ex-primeiro-ministro,
ex-secretário-geral do PS, ex-presidente do Conselho Consultivo do Grupo
Octapharma para a América Latina, presidiário nº 44:
Como arrumaria, numa gaveta
filosófica, o quadro partidário português?
K. M. O Movimento das Forças Armadas, executor do Golpe
de Estado Democrático de 1974, propôs-se concretizar três D`s:
Democracia, Descolonização, Desenvolvimento. O quadro partidário português
poderá ser definido com três I`s: Ideais, Ideias, Interesses. A Esquerda
distingue-se pelos ideais e pelas ideias. A Direita pelos interesses. O Modelo
Democrático Burguês é um Sistema Clientelar. O presente arco da gover(nação) é a base aparelhística da alternância e da
salvaguarda do modelo de negócio. O Kapital
é quem mais ordena. A burguesia detesta a democracia crítica e participativa.
Reduz a democracia a números: à estatística eleitoral e à contabilidade do
saque. Até agora, nenhum banqueiro ou grande empresário se tem dado mal com
esta equação-rotação em todo o percurso pós-revolucionário português. Os
ministros não passam de administradores-delegados das corporações. O parceirato
à trois tem resistido às provas de stress. Os dispositivos mediáticos
reproduzem ad infinitum o discurso do
poder económico-financeiro, a fim de manter a população prisioneira da fórmula.
Entretanto, a democracia está a revelar-se cada vez mais pobre e os portugueses
continuam a empobrecer. O programa de espoliação tornou-se obsessivo. Ameaça
perdurar dezenas de anos no século XXI. Durou séculos
na Idade Média e na Idade Moderna. Durou milénios nas Diversas Antiguidades.
Mas poderia demorar meses se algo ou alguém obrigasse o PS a tirar o socialismo
da gaveta, voltando a defender (desta vez, com depósito de caução e palavra de
honra) a sociedade sem classes e o marxismo como inspiração teórica
predominante, redistribuindo autocolantes e enrouquecendo a gritar Partido Socialista, partido marxista.
Para isso, monsieur porte-plume de la Nouvelle Philosophie Occidental, Vossa Excelência
teria de debruçar-se sobre a Miséria da
Filosofia, de Karl Marx, após haver provavelmente tropeçado na Filosofia da Miséria, de Proudhon. A
condenação à crónica indigência, monsieur,
também poderia demorar semanas se os explorados se pusessem de pé e forçassem
os exploradores a prestar contas. E, monsieur,
poderia demorar dias se uma força categórica fizesse cumprir a Constituição da
República.
A História anda por aí, monsieur.
Não se esqueça de reler o Manifesto. É mais importante do que visitar o meu túmulo.
(1) Promovido pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 8, 9 e 10 de Maio, 2014.
(2) Prezado senhor.
(3) Mayer Rothschild, banqueiro, afiançou, há 200
anos, que o controlo da moeda de um país tornava irrelevantes as leis
nacionais. John Adams, presidente dos USA, considerou, há 200 anos, que a
dívida era um meio de submeter e escravizar um país, sem recorrer a meios
militares.
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Edição 102, Novembro 2014
Amigos de Mário Soares
Em 30 de Novembro de 1983, chefiava Mário Soares o governo do Bloco Central, foi invectivado por manifestantes, em Coimbra. O governante pressionou um agente da PSP para que actuasse. Levados os detidos a Tribunal, o juiz Herculano Nogueira considerou não ter o caso acolhimento, pois o Código Penal exigia apresentação de queixa pelo ofendido. O estadista Soares não se conteve: Se o juiz entendeu que não foi um crime público, o problema é dele. Ficamos a saber que esse juiz não se importa que lhe chamem gatuno. O magistrado denunciou Sua Excelência ao Conselho Superior da Magistratura por desrespeito para com um órgão de soberania e a independência dos tribunais. Daí a dias, o Conselho de Ministros alterou o Código Penal, fazendo com que fosse dispensada qualquer queixa do ofendido, sempre que se tratasse de crimes de difamação, injúrias e outras ofensas contra órgãos de soberania e respectivos membros. Uma lei à medida.
Em 26 de Novembro de 2014, à saída da prisão de Évora, onde foi visitar o amigo José Sócrates, o ex-governante e ex-presidente da República e actual Conselheiro de Estado invectivou magistrados, inspectores da Judiciária e da Autoridade Tributária, quantos, ao longo de um ano, cooperaram nos fundamentos processuais (até ao momento, 800 páginas de provas indiciárias), que persuadiram um juiz de Instrução Criminal a ditar prisão preventiva para um ex-primeiro-ministro. Mas ontem, Mário Soares, um ex-primeiro-ministro absolveu José Sócrates, outro ex-primeiro-ministro e condenou liminarmente a Justiça. O primeiro foi declarado inocente sem esperar pelo julgamento e a segunda considerada uma tropelia, uma vergonha, uma infâmia, uma bandalheira, coisa de uns tipos, de malandros.
Pensaria Mário Soares, em 1983, que um belo dia, em 2014, poderia ser vítima da sua alteração do Código Penal?
É evidente que o ex-primeiro magistrado da Nação sempre adoptou a pele de animal feroz na defesa de determinados amigos. Não se trata de uma questão de idade ou de emoção de circunstância. Defendeu continuadamente o amigo Carlos Andrés Pérez (19222010), que foi presidente da República da Venezuela, alvo de impeachment por acção da Procuradoria Geral da República e do Congresso Nacional, sendo destituído, em 1993, detido preventivamente e depois sentenciado a dois anos e quatro meses de prisão. Acusação confirmada: peculato doloso e apropriação indevida. No que toca à fortuna pessoal, por via política, as estimativas situavam André Pérez ao nível das centenas de milhões de dólares. Era alcunhado saudita.
Igualmente defendeu convictamente o amigo Bettino Craxi (19342000), ex-primeiro-ministro de Itália, amigo de Berlusconi, apanhado na Operação Mãos Limpas. Demitiu-se por corrupção. Não cumpriu a pena de 14 anos. Fugiu para a Tunísia, onde faleceu, amparado pelos 150 milhões de euros da conta-poupança afincadamente amealhada ao leme do governo.
Neste momento, José Sócrates não é inocente: apenas beneficia de presunção de inocência. Ontem, em Évora, Mário Soares, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República e actual conselheiro de Estado, protagonizou uma cena de degradação entre o patético e o preocupante. O patético é óbvio. O senador está a precisar de descanso no Palácio da Pena. O preocupante é que alguém o secunde, pois está convencido que o país pensa como ele.
José Sócrates até poderá ter alguma razão para queixumes. Mas muito mal andará, se continuar a receber visitas de nível tão elevado.
N.E.
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Edição 99, Junho 2014
Um agente da Central de Inteligência Portuguesa decidiu,
Lissabonner Requiem
Um agente da Central de Inteligência Portuguesa, por rebate de consciência ou imperativo constitucional, decidiu violar o Segredo de Estado. Convocou uma Conferência de Imprensa-Relâmpago. Irrompeu (encapuzado). E justificou a acção de cara encoberta: Interceptei um Correio Diplomático Berlim-Lisboa. Trata-se do Ultimato do Segundo Mapa Cor-de-Rosa . O primeiro, o Inglês, de 1890, levou à perda de soberania africana; o segundo, o Alemão, de 2011, levou à perda de soberania metropolitana.
Avançarei com um enquadramento histórico.
Terminarei com a cibertelegrafia diplomática.
Há 124 anos, o Povo saiu à rua e cobriu de crepes a estátua de Camões, dois artistas compuseram A Portugueza (que ainda se vai entoando) e até o Monarca Carlos da Boa Mesa & da Boa Cama & dos Adiantamentos da Fazenda, num Solene Gesto de Desagravo (a fim de limitar os custos de imagem), protagonizou uma rábula: devolveu as condecorações ao Nosso Mais Velho Aliado. O Ultimatum elevou a febre patriótica, contribuiu para uma agitada reportagem RTP/Regicídio do Terreiro do Paço, acelerou a Queda da Multissecular Monarchia, alargou a Base Social da República.
E qual a postura das Novas Agremiações do Rotativismo? Acabado de assinalar o centenário do Regime Republicano (2010), a Troika da Submissão correu a subscrever o Memorando de Entendimento do Ocupante Germânico (2011), Nosso Mais Recente Aliado, no cânone protocolar. Nem sequer devolveu uma insígnia ou redigiu uma nota de desafronta. O vexame supera as raias da insolência e roça as vaias da indecência. Visa anular o último sentimento/signo de identidade nacional. Espera-se que o Poboo de Fernão Lopes acorra (ainda neste século) a tomar os rossios e os palácios, que os letristas e compositores reescrevam o Hino e que o Ilustre Peito Lusitano manifeste a Mais Profunda IndigNação. De Norte a Sul se confia que o épico dos Descobrimentos se junte às multidões espoliadas e humilhadas e retire o seu Alto Patrocínio à Cerimónia do Adeus a Portugal.
Na verdade, da Troika Interna pouco ou nada haverá a esperar além de servilismo, colaboracionismo, negocismo, inevitabilismo, embustismo, com voz grave ou de falsete. Seja no Parlamento da Moeda Única, seja no Governo do Pouvoir à Trois, seja na Presidência de Vichy à Portugaise. Os trigémeos juraram vassalagem a Angela Dorothea Merkel, soberana da Casa Reinante da Idade das Trevas Electrónicas, aclamada pela Europa dos Bancos & pelos Ministérios da Propaganda. Não merecem perdão eleitoral nem judicial. Foram avisados com a devida antecedência das bofetadas da Pérfida Álbion & das monstruosidades do Flagelo Átila.
No entanto, muito prezaríamos que algum(a) agraciado(a) ousasse ler o Elektronische Post da Chancelaria do IV Reich, num 10 de Junho, na Tribuna das Ordens Honoríficas, perante as Autoridades Civis, Militares e Religiosas, principalmente ante Thomaz II, que Deus cubra com a SIC/Sua Infinita Compaixão e faça acompanhar de Katia, anja-música.
Post.
Diktat.
O Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas (no antigo regime Dia de Camões) passará a denominar-se Lissabonner Requiem.
Bundeskanzleramt
Will-Brandt-Straße 1, 10557 Berlim.
P.S.
Este artigo, com as respectivas Notas, encontra-se em
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Edição 98, Maio 2014
Enterro da Europa Connosco
25 de Maio. Participe na Cerimónia
No próximo domingo, a política de confisco vai a votos. Uma política que não merece prova de vida continuada. Jaz morta & arrefecida segundo as leis da razão geral, embora se mantenha ligada à máquina da usura & da vilania. Assim sendo, para os defensores dos interesses electivos-colectivos, a pauta da austeridade soa a música fúnebre. De facto, esta UE é mais um cadáver adiado que procria. [1] Sendo o que é, o corpo presente será velado em milhares de urnas. Os que insistam em celebrar o Roubo do Século & a Ocupação do Exército da Finança têm uma bela ocasião para expressar os seus sentimentos à Famiglia do Arco, a quem os portugueses agradecem, entre outras benesses & bençãos, os Fundos Perdidos, o BPN, o BPP, as PPP, os Swap, os Submarinos, a Corrupção em Grande Escala, o Assalto Fiscal aos Indefesos, o Desemprego Massivo, a Emigração em Massa, a Miséria Máxima Garantida, o Desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde, da Segurança Social, da Escola Pública. Os programadores de ilusões & emoções apreciam eleitores de lágrima fácil, dados a amores de perdição. Domingo, demasiados farão fila para manifestar a sua fidelidade à troika de residência fixa & confessar a sua eterna saudade à troika da falsa partida.
Por outro lado, nós, tendencialmente mais dos que os do costume, denunciaremos as propostas indecentes da Frau Merkel & do Mister Obama, ela, Mordoma dos Donos da Europa, ele, Porteiro dos Senhores do Mundo. Os mandatários & os paus-mandados do Capitalismo Global afivelarão a máscara da vontade popular, uns com ar de velório (temem funestos desfechos), outros com expectativa nas maçãs do rosto (apostam na inércia rotativista). Olhai-os de frente. São eles. Em pose cívica-cínica. Porventura, amáveis. Se mediaticamente correcto, pesarosos. Milhões de empobrecidos & devorados pelos gangsters em três anos de ajuste-saque? É de lastimar. Ninguém ficaria indiferente. Os crocodilos comovem-se. Se for conveniente dar corda ao coração, imitam as vítimas. Partilham as dores da pátria & da mátria. Fingirão pertencer à comunidade. São predadores de boas famílias & de bons princípios. Alguns frequentaram universidades à bolonhesa. Alguns especializaram-se no mundo do crime. Ei-los. Habitualmente rodeados de câmaras, microfones, toma-notas, guarda-cabeças, guarda-costas. Ei-los. Os Trigémeos da Democracia Cristã na Gaveta, da Social-Democracia na Gaveta, do Socialismo na Gaveta. Da Democracia cada vez mais engavetada. Fixai-os de perfil. São eles. Os da Democracia Cristã da Sopa dos Pobres, os da Social-Democracia dos Barões, os do Socialismo da FaceOculta.
Entretanto, nós, os do dia limpo, [2] pronunciar-nos-emos contra o embuste da Europa connosco, daremos a cara pela Civilização Humana, pelos Valores Constitucionais, pela Inalienável Soberania, pela Indesarmável Resistência, pela Efectiva Ruptura, pela Mudança de Projecto/Trajecto. Não faltaremos, pois, à chamada de domingo, 30 dias após o 25 de Abril, a três dias do 28 de Maio.
Participaremos, consequentemente, com a nossa pazada, no euro-enterro.
(1). Fernando Pessoa, Mensagem, Parceria António Maria Pereira, 1934.
(2) Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas, Moraes Editores, 1977.
NE
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EUROPA REOCUPADA
A República Federal da Alemanha absorveu a República Democrática Alemã. Aumentou a massa corporal e muscular. A reincorporação não ocorreu por magia, não obstante a Conversão da Rússia constar dos apostolados. O milagre teve os seus agentes e artífices: na sombra, operou a inteligência germano-americana; à luz do dia, actuou o complexo mediático; e como seguro contra todos os riscos da blitzkrieg 89, a camarilha da Perestroika desguarneceu as muralhas do Kremlin. Até acreditou ou simulou acreditar na promessa de que a NATO jamais integraria estados e regiões da área de influência e segurança da URSS. O ataque-relâmpago do Novo Eixo mereceu tratamento de visita guiada. Gorbachev confessou (sem pingo de rubor) que, no Ocidente, à excepção dos USA, todos estavam contra a queda do muro e a reunificação, desde Thatcher a Andreotti, a Mitterrand: Todos vieram até mim, um após o outro, pedindo isso. Mitterrand era ferozmente contrário. Mais esperto do que os outros, dizia: “Amo a Alemanha de tal forma que prefiro ter duas” Só depois, quando tudo se precipitou, todos assinaram. [1] Os amigos ocidentais (ingleses, italianos, franceses, etc.) chegaram a implorar que o Exército Vermelho esmagasse o levantamento. Contudo, o Actor Principal da Glasnost , capitulacionista de salão e padecente da doença infantil do capitalismo, deu ouvidos ao interlocutor de facto. Genuflectiu como se uma superpotência real não tivesse argumentário. O valentaço Gorby foi o mesmo que, anos antes, noutra entrevista, declarou, visando a marioneta Ieltsin: Temos uma Rússia fraca e um presidente fraco. [2] Quanto à Europa NATO/UE, resmunga e amua mas não passa de pátio dianteiro dos USA, recomendável para acampamentos do Pentágono, estações e prisões da CIA, mobilizações predatórias, vendas de armas e pacotes de propaganda, jogos bolsistas e fundistas, colocação de apples, googles, cineprodutos, transgénicos, fármacos, heroína do Afeganistão e cocaína da Colômbia (demarcações da Esfera político-militar USA). O narcomercado é um dos super-negócios do planeta. Os USA são o guardião-dealer. Na definição dos interesses vitais e dispositivos da sua manutenção, não admira, pois, que a chamada Europa não tenha nem esteja autorizada a ter política de defesa nem política externa fora dos varais e canais dos USA, embora a sede da NATO e a sede da UE, irmãs gémeas, se encontrem na mesma cidade (Bruxelas), com moradas autónomas para fingir independência ou disfarçar que não são geridas desde Washington. Dominique Villepin, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo primeiro-ministro de França, desabafou (cito de memória), num momento de franqueza e finura de guilhotina: Não há NATO. Há generais americanos. A própria Alemanha está sob tutela do patrono atlântico: os USA mantêm em solo alemão cerca de 60 mil efectivos e 227 bases, algumas dotadas de bombas nucleares. As instalações norte-americanas funcionam ainda como parabólicas de espionagem, constituindo a nação-hospedeira um dos alvos. A Alemanha é um ocupante-ocupado, como Portugal foi um colonizador-colonizado. De resto, na linha de reactualização e reconfiguração do Eixo (também o Japão se acha ocupado pelos USA), que aí dispõem de 50 mil efectivos em 135 bases, algumas equipadas com cargas atómicas. A Alemanha e o Japão jazem sob o dicktat dos USA, que lhes distribui guiões e fixa taxas de empenhamento no tarefário geo-estratégico, particularmente no cerco à Rússia e à China. O Império norte-americano não levanta ferro. Nem sequer entreabre a cortina.
Muro da vergonha
Caiu em Berlim
Vergonha só lá
Muros há sem fim [3]
O mundo estava cortado e recortado por altos e grossos muros e continuou a levantar vedações de betão, arame farpado, cabos eléctricos e torres de metralhadoras, mas só um foi apodado de vergonhoso. Todavia, convém destapar outras barreiras, as credoras de aplauso, de compreensão, tolerância ou esquecimento da comunidade internacional, tão proficientemente facetada e discricionariamente representada pelos USA e pelos seus carros de guerra psicológica, as televisões, as rádios, os jornais. Eis uma lista de muros deixados em paz pelas chancelarias e pelos agitadores de direitos universais: USA-México, Índia-Bangladesh, Índia-Paquistão, Índia-Birmânia, Paquistão-Afeganistão, Marrocos-Sara Ocidental, Botsuana-Zimbábue, Coreia do Sul-Coreia do Norte, China-Coreia do Norte, Uzbequistão-Quirquistão, Irão-Paquistão, Arábia Saudita-Iraque, Israel-Cisjordânia, Israel-Líbano, Egipto-Gaza, Grécia-Turquia, Chipre (divisória greco-turca), Ceuta/Melilla (Espanha), Belfast (Irlanda do Norte), Bagdad (Iraque), La Molina (Peru), Rio de Janeiro (Brasil). Todos se encontram de pé e prometem durar e perdurar. Inadiável era a queda do Muro de Berlim, prenúncio aparatoso e ruidoso do desabamento da URSS e do bloco socialista. Festejável com música rock, tanques de cerveja, pichagens alucinogénias. Vinte anos depois, enquanto os redesenhadores de mapas e as trupes do Wall Show celebravam a efeméride, a população da ex-Alemanha Democrática sentia o ferrete da anexação ou reunificação. [4]
IV Reich em acção
Demolido o muro, riscada do planisfério a Alemanha socialista, a Alemanha capitalista e imperialista encetou o desarme das alfândegas continentais, acobertando-se sob as vestes da confraria europeia: instituiu a livre circulação de capitais; fixou taxas de câmbio irrevogáveis; fez entrar o marco em circulação com nome de euro, assim se posicionando como player nos mercados de divisas e condicionando as exportações, especialmente dos países do Sul/Leste; desestruturou as actividades concorrenciais (desmantelamento e deslocalização de indústrias, abate de frotas pesqueiras, subsídios de funeral para as agriculturas). De seguida, a Nova Alemanha, a que carrega 100 milhões de mortos (contabilidade do séc. XX) e uma vasta geografia de ruínas, acelerou a reocupação dos submetidos na II Grande Guerra. Só a Noruega resistiu. Acertaram o passo com o ex-ocupante: Áustria, Bélgica, Bulgária, Checoslováquia (República Checa e Eslováquia), Dinamarca, Estónia, França, Grécia, Hungria, Itália, Jugoslávia (Croácia/ Eslovénia/ Macedónia/ Sérvia/ as duas últimas à espera que o ex-ocupante aceda ao pedido de reocupação), Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Mónaco, Holanda, Polónia, República Checa, San Marino, Ucrânia (a caminho da reocupação). Paralelamente, o IV Reich foi ornando o cinturão de caça com uma série de troféus que no período do III Reich haviam demonstrado comportamento de bons alunos: Espanha, Finlândia, Portugal, Roménia. Há igualmente que inscrever a zona grega do Chipre e a República de Malta na Cartografia da Grande Guerra Financeira. Pelo meio, com a Alemanha Democrática reintegrada, dissolvida e recentrada, a Germânia liderou a desintegração da República Federativa da Jugoslávia, que tinha de levar uma ensinadela por se manter não-alinhada, soberana e socialista. O Curso de PatroNATO durou de 24/03/ a 11/06 de 1999, sem mandato das Nações Unidas, a pretexto de instantes razões humanitárias. O programa NATO School incluiu escombros generalizados e selectivos, doses de urânio empobrecido com certificado de garantia para centenas de milhares de anos, extensas manchas de sangue e lágrimas e a imposição de um estado fantoche e artificial (Kosovo), com uma super-base USA, governado com savoir-faire pelo mundo do crime (local e sem fronteiras).
Wehrmacht do Euro
O Euro é o Marco do Neo-Expansionismo. Na guerra económico-financeira, os Estados do Sul, previamente desarmados, entre a espada da moeda forte e a parede da economia fraca, tentaram o salto em frente, seduzidos pelo crédito de torneira aberta e pela carteira de fundos, contraindo a doença da dívida galopante e do défice excessivo, estimulada pelos credores, apostados em arrastar os esfomeados de barriga dilatada para uma situação de emergência. Sob a bota e a batota da usura, com governos-carpete que vendem a pataco as jóias da economia e tripudiam os princípios da soberania, o capitalismo euroglobal lançou os seus rapazes ou rapaces sobre os activos sociais (salários, reformas, pensões, receitas fiscais, reservas de ouro e divisas, serviços públicos) e os activos empresariais do Estado. A operação de saque amigo foi implacavelmente montada. Nem será preciso recorrer a teóricos de última geração da economia de guerra e do garrote financeiro. Bastará rebuscar fontes da mesma água, validadas pela constância dos factos e a didáctica dos séculos. Neste caso, fontes euro-americanas. Portadoras de credenciais. Insuspeitíssimas. Uma a jorrar da bocarra de um banqueiro, alemão e judeu, e outra da carranca de um fazendeiro, congressista e presidente com direito a efígie monetária e a inscrição In God We Trust/ Deus Seja Louvado/ Confiamos em Deus.
Eis a voz da banca:
Dai-me o controlo da moeda de um país e não me importará quem faz as leis. [5]
Eis o porta-voz:
Há duas maneiras de submeter e escravizar uma nação: uma é pela espada e outra é pela dívida. A dívida é uma arma contra os povos. Os juros são as munições. [6]
Guião falangista
De sublinhar que o projecto de domínio regional e intercontinental está a ser assessorado pela extrema-direita. Cada vez mais motivada com chavões anticomunistas, anti-semitas, racistas, xenófobos, homofóbicos, machistas. Está a levedar um microclima século XX, anos 30. O capitalismo volta a dar corda à delinquência falangista, a fim de ensaiar governos de mão dura para acentuar a espoliação e conter a resistência popular. Enraivecer e desnortear as massas, desviando-as dos referenciais democráticos e do sentido de classe, faz parte do caderno de encargos da besta negra. Os operacionais de trabalhos sujos da História aí estão nas ruas e os branqueadores movem-se pelos parlamentos, pelos governos, pelos meios de comunicação, pelas academias. É o caldo de cultura dos bárbaros. Que não estão às portas da Europa: estão dentro. A Ucrânia é o mais recente caso de tomada do poder pelo bandoleirismo nazifascista, redoutrinado, treinado, municiado e subvencionado (com especial zelo pela Alemanha e pelos USA). Em termos eleitorais e sociais, Holande e Valls, garçons de bureau do alto capital e catapultas da assunção aos céus de Nôtre Dame Le Pen, são o cartaz mais patético da França e a caricatura mais servil da social-democracia. Phillipe Pétain, marechal da desonra, primeiro-ministro e presidente da República (1940-1944), condenado à morte por traição e indultado por De Gaulle, sepultado na Île d`Yeu, sorrirá como só as caveiras sabem sorrir.
(1). La Repubblica, entrevista de Fiammetta Cucurnia, 09/11/2009, 20º aniversário da queda do muro.
(2). Jornal de Notícias, entrevista de César Príncipe, 17/06/1995, no 4º aniversário da dissolução da URSS.
(3) César Príncipe, Correio Vermelho, Seara de Vento, 2008.
(4) O dia em que se comemoram os 20 anos sobre a queda do Muro de Berlim, uma sondagem conclui que os alemães de Leste consideram que a reunificação não foi consumada e que a esmagadora maioria sentia-se bem na antiga Alemanha Democrática. O estudo indica que 50 por cento dos cidadãos da antiga Alemanha Democrática lamentam as diferenças reais do nível de vida, lembrando que no Leste o desemprego é maior, os salários são mais baixos e o PIB é de apenas de um terço do registado no lado ocidental do país. Doze por cento dos inquiridos recordam com saudade os tempos da RDA e outros tantos defendem mesmo que o muro devia ser reconstruído. Somente um quinto dos alemães de Leste considera que a reunificação vai no bom sentido e muitos outros dizem que os irmãos do Ocidente os tratam com arrogância. [TSF , 09/11/2009)
(5) Mayer Amschel Rothschild (1744-1821), fundador da dinastia de banqueiros.
(6) John Adams (1735-1826), presidente dos USA.
NB. Este artigo encontra-se também em http://resistir.info/
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Edição 97, Abril 2014
SAÍDA LIMPÍSSIMA...
Tempo de vaquírias
"Ontem eu reparava no sorriso das vacas. Estavam satisfeitíssimas olhando o pasto que começava a ficar verdejante"!
Aníbal Cavaco e Silva, nos Açores, em 2011.
Os banqueiros da fome estão ávidos. As jonets estão ofegantes por fazer bem. Acotovelam-se os comensais do regime alimentar. Chocam os carrinhos de compras do défice e da dívida. As clientelas salivam. O Clube dos Chefs anunciará, dentro de semanas, um novo prato do dia: SL. O que encobrirá a sigla? Livrar-nos-emos do programa intravenoso? Seremos desligados da máquina troikanal? Passaremos a ingerir telecongelados? Que esperar, Godot? Que fazer, Ilitch?
Paira a incógnita no país das vacas magras, outrora apavorado pelas vacas loucas. E o gado vacuum não se contém. Sorri. Deleite entrevisto pelo Venerando Thomaz II na itinerância pelos Açores (2011). De facto, desde que uma vaca assistiu ao nascimento do Menino Jesus (não por acaso, em Belém), que não se testemunhava idêntico êxtase de um bovino, de um mamífero, de um ruminante, de um artiodáctilo. Nem na Índia, terra de vacas sagradas, algum bicho terá manifestado tanta luz no olhar. A cavacada mostrou o que lhe ia na alma.
Em abono da pragmática e da metódica, haverá que levar em devida conta qualquer sinal dos tempos, não menosprezando os apelos das pastagens e o papel do efectivo pecuário nos transes do Reino e da República. Quanto deverá Portugal às bestas? Sobressai uma efeméride: 1581. Então, as vacas, açorianas de distinta cobrição, tiveram um comportamento honroso, ao contrário de muitos portugueses. É dos anais da independência e dos manuais da contra-ofensiva: centenas de cabeças investiram contra as forças de Castela. É das artes da guerra: foram embravecidas com fogos de tresmalho, aguilhões e outros acicates. E muitas terão acabado trinchadas para celebrar a campanha.
Também os humanos são sujeitos a destrezas, acirrações, havendo quem lhes coma os miolos e outros órgãos após a preciosa ajuda (eleitoral e fiscal). Fosse como fosse (por espírito de missão ou coacção física), diante do tropel, o inimigo desaustinou e desmoralizou, foi espezinhado e repelido. A vitória pendeu para as hostes nacionais. A Batalha da Salga ficou como doutrina: isto não vai com gado manso.
Eterno reconhecimento dos consumidores de carne, queijo, manteiga e outros produtos do arquipélago. Todas as pompas do protocolo de Estado para as descendentes dos auroques. Todavia, nas mobilizações do séc. XXI, haverá que manter certa desconfiança no vaquedo. Que concluir da ridente manada, naquele Setembro, na Graciosa? Prestemos particular atenção às armações. Não é de fiar o patriotismo de uma série de animais domésticos. Não despreguemos a vista dos úberes da mãe-pátria. Aguardemos pela publicação da dieta. Mas nada de saboroso e cheiroso se perspectiva.
Se Raphael Bordallo Pinheiro, autor do "Zé Povinho agarrado pelo lado do déficit…" e do "Zé Povinho na Última Ceia" e da "Maria Paciência" (a mamuda das Caldas) e da vaca leiteira do "Theatro S. José", permanecesse entre os ilustradores do Continente & Ilhas, encarregar-se-ia de desfazer o suspense.
Imaginemos a capa:
Uma vaquíria a fazer as necessidades.
Imaginemos a legenda:
Saída Limpa.
P.S.
Este artigo encontra-se também em http://resistir.info/
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